Persecutio Criminis
A Constituição Brasileira garante a todos não ser privado da sua liberdade ou dos seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV da CF), princípio cuja essência assegura ao indivíduo que todo o processo do qual participe obedecerá às normas previamente estipuladas em lei.
Dentre os diversos ritos legais eventualmente passíveis de privar o cidadão de sua liberdade ou bens está o inquérito policial, que é o método de investigação que dispõe o Estado para desvendar a verdade material de um fato supostamente delituoso com base em um juízo de probabilidade. Destarte, o Inquérito Policial, como parte integrante do sistema processual penal brasileiro, está abrangido no conceito do devido processo legal.
Portanto, apesar da jurisprudência considerar o Inquérito Policial um procedimento administrativo informativo prévio a ação penal, de “natureza inquisitorial (não contraditória) por não ser processo (em sentido estrito), já que não destinado a decidir litígio algum", é inegável que neste incide plenamente a garantia do devido processo legal, ainda mais se for considerado o fato deste comportar diversas medidas que cerceiam direitos individuais.
Desta forma, a investigação criminal deve ser realizada de acordo com as regras constitucionais e legais pré-estabelecidas, sendo-lhe aplicável, em regra, as normas do Livro I, Título II do Código de Processo Penal e disposições correlatas, notadamente no que diz respeito à autoridade competente para presidi-la e seu rito de tramitação.
Portanto, o fato de no inquérito policial vigorar a garantia do devido processo legal impõe ao requisitantea indicação dos fundamentos jurídicos que o levou a concluir pela instauração de inquérito policial, essenciais para a realização do referido ato, devendo estes demonstrar indícios mínimos de prática de infração penal nos fatos objeto da requisição.
Tal conclusão torna-se ainda mais evidente pela simples leitura dos arts. 98, IX e 129, VIII da CF, a seguir transcritos:
“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;”
Assim, observa-se que as requisições de instauração de inquérito policial devem ser fundamentadas sob pena de nulidade (art. 564, IV c/c art. 572 do CPP), implicando no trancamento da investigação criminal decorrente do seu atendimento.
“Se a requisição do Ministério Público limita-se a dizer que há crime em tese, mas sem descrever a conduta típica e sem apontar objetivamente o dispositivo legal que a conduta dos agentes teria violado, há que trancar-se o inquérito policial por falta de justa causa.” (HC 389, 5ª Turma do STJ, Rel. Min. Edson Vidigal, publ. No DJ de 11/12/1995, p. 43234 e RT 727, p. 439).
Todavia, inquéritos policiais decorrente de requisições como a aludida pela ementa acima transcrita poderiam sequer ser instaurados, a partir do momento em que fosse desconstruída a corrente ideia de se equiparar requisição a ordem, a ser abordada no tópico a seguir.
Outro óbice ao aperfeiçoamento das requisições de instauração de inquérito policial deriva do equivocado conceito de equivalência entre requisição e ordem o que, em diversas oportunidades, acaba por dificultar ou até mesmo inviabilizar o seu questionamento.
Um bom ponto de partida para se compreender a natureza jurídica da requisição, a seguir transcritas, onde o mesmo esboça um a diferenciação entre requisição, ordem e requerimento:
“Requisição é a exigência para a realização de algo, fundamentada em lei.
Assim, não se deve confundir requisição com ordem, pois nem o representante do Ministério Público, nem tampouco o Juiz, são superiores hierárquicos do delegado, motivo pelo qual não lhe podem dar ordens. Requisitar a instauração de inquérito policial significa um requerimento lastreado em lei, fazendo com que a autoridade policial cumpra a norma e não a vontade do particular do promotor ou do magistrado. Aliás, o mesmo se dá quando o tribunal requisita ao juiz de primeiro grau informações em caso de habeas corpus. Não se está emitindo ordem, mas exigindo que a lei seja cumprida, ou seja, que o magistrado informe à Corte, o que realizou, dando margem à interposição da impugnação.
Requerimento é uma solicitação, passível de indeferimento, razão pela qual não tem a mesma força de uma requisição. É lógico que muitos requerimentos, quando não acolhidos, podem gerar o direito de interposição de recurso, embora quem o rejeite deva fazê-lo dentro de uma avaliação discricionária. A parte faz um requerimento ao juiz, pleiteando a produção de uma prova, por exemplo. O magistrado pode acolher ou indeferir, livremente, ainda que o faça fundamentado. Nesse caso, no momento propício, pode o interessado reclamar a realização da prova, mas nada obriga o juiz a produzi-la”.
Ademais, não custa rememorar, que a ordem deriva de uma relação hierárquica que goza de presunção relativa de legalidade que em princípio a faz prescindir de fundamentação por parte do mandante, tanto que o art. 22 do CP, ao discorrer sobre a responsabilidade penal nos casos de obediência hierárquica, só prevê a responsabilização do subordinado no caso de ordem manifestamente ilegal.
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