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25 de Abril de 2024

Transação Penal

Publicado por Alm Li Diane
há 8 anos

A Transação Penal é um dos institutos consensuais despenalizadores previstos pela Lei 9.099/95 de acordo com a previsão constitucional do artigo 98, I, CF.

O próprio artigo 76, “caput”, da Lei 9.099/95 já permite vislumbrar claramente uma definição do instituto em estudo. Com base nesse dispositivo é possível afirmar que a Transação Penal consiste na propositura pelo Ministério Público de aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, devidamente especificada na proposta. Já se sabe em que consiste a Transação Penal, mas resta indagar qual a sua natureza jurídica. Logo no primeiro parágrafo deste item já foi externada a convicção de que se trata de um instituto processual consensual despenalizador previsto pela Lei 9.099/95 com sustento constitucional.

“Transação” Penal não é propriamente uma “Transação”, tendo em vista que para a configuração de tal instituto mister se faz que as partes envolvidas façam “concessões mútuas”. O autor assim conclui mediante uma interdisciplinaridade com o Direito Civil, pois há vantagens para o Estado, que ganha agilidade e economia, enquanto que o suposto autor do fato recebe uma pena. Considerando que a aproximação dos conceitos de “transação” nas áreas civil e penal ou processual penal não é viável e o instituto da Transação penal “consagra benefícios aos envolvidos em infrações penais de menor potencial ofensivo”, aproximando-se, por assim dizer, da visão ora defendida de que se trata de um instituto processual consensual despenalizador.

“Transação implica cada uma das partes interessadas ceder alguma coisa. No caso, o Ministério Público abre mão do direito de propor a ação e pleitear a condenação do autor do fato a uma pena de prisão. O autor do fato, do direito ao processo, com todas as garantias do devido processo legal.

Só aparentemente, no entanto, os dois perdem. Na realidade, ambos ganham: o Ministério Público, porque consegue fazer justiça, que é sua nobre missão constitucional, impondo ao autor do fato a pena justa para o caso; este último, porque recebe a pena menos severa possível na espécie, sem ser condenado e, portanto, sem que o fato praticado gere reincidência e, até mesmo, sem que possa ser comunicado a qualquer juiz que não seja do juizado especial”.

É a potencialidade da Denúncia que enseja a proposta de Transação Penal com o fito de evitar a Denúncia em ato, nos seguintes termos, as características de instituto processual consensual, desformalizador e despenalizador da Transação Penal:

“ a transação não tem por objeto imediato deixar de punir o suposto autor de uma infração penal, mas sim a não propositura da ação penal, evitando-se, de maneira secundária, os efeitos deletérios daí resultantes.”

A Transação penal nada mais é do que “uma das espécies de conciliação criadas pela Constituição Federal (art. 98, I)”, dessa forma, é de se ratificar que a Transação Penal é vista majoritariamente como um instituto processual consensual, desformalizador e despenalizador trazido ao cenário jurídico brasileiro pela Lei 9.099/95 (artigo 76) com autorização constitucional prevista no artigo 98, I, CF. Não se trata de uma pena propriamente dita aplicada de forma impositiva e nem mesmo de uma Denúncia ou algo que se possa a isso equiparar. Releva lembrar aqui que não pode ser objeto de Transação Penal qualquer espécie de pena privativa de liberdade, bem como o fato de que a transação penal não constitui condenação, não gera reincidência, não significa confissão de culpa e também não implica em título executivo judicial para eventual ação civil “ex delicto”. Ademais, não pode ser imposta ao autor do fato, dependendo de um acordo, de uma concordância entre Ministério Público, Defensor e autor do fato quanto aos seus termos.

O artigo 76 da Lei 9.099/95 regulou a Transação Penal, mas, infelizmente, o legislador esqueceu-se de tratar do caso em que o autor do fato firma o acordo com o Ministério Público e posteriormente não cumpre.

Algumas orientações são encontráveis sobre a temática:

a) Alguns propõem como solução a retomada do processo com a denúncia pelo Ministério Público. A argumentação é no sentido de que se pressupõe para a transação a existência de um acordo e um acordo somente se perfaz de forma bilateral. O não cumprimento do suposto acordo pelo autor do fato implica no reconhecimento de que, na verdade, a Transação Penal não se perfez. Não havendo Transação Penal, a própria lei indica que a próxima fase é o ofertar da Denúncia. Existe crítica a esse posicionamento sob a alegação de que a fase para a Denúncia já está preclusa, bem como que a sentença que homologa a Transação Penal já fez coisa julgada, sendo impossível retomar o andamento processual sem que haja previsão legal.

b) Outros falam na execução da pena restritiva de direitos ou multa, eis que a fase para a Denúncia já estaria superada. A crítica a essa solução seria a dificuldade para a execução efetiva, especialmente das obrigações de fazer.

c) Há até mesmo quem tenha advogado a conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade por aplicação do artigo 44, § 4º., CP. Essa é uma opção totalmente inviável e absurda. Em primeiro lugar se a pena acordada for de multa é vedada sua conversão em privação de liberdade, seja pela proibição constitucional e convencional da prisão por dívida (artigo ., LXVII, CF c/c artigo ., item 7, do Pacto de São José da Costa Rica), seja pelo próprio Código Penal que recebeu nova redação exatamente em função da obediência a tais ditames constitucionais e convencionais (vide artigo 51, CP que não mais admite a conversão da pena de multa em prisão, considerando-a “dívida de valor” à qual devem ser aplicadas “as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública”). Mas, será que não seria cabível a conversão em prisão das penas restritivas de direito com base no artigo 44, § 4º., CP que exatamente assim o determina? Embora o dispositivo em comento do Código Penal realmente preveja que em caso de descumprimento de penas restritivas de direito essas serão convertidas em privativas de liberdade, é preciso atentar que o artigo 44, § 4º., CP se refere a penas impostas após um devido processo legal com sentença condenatória transitada em julgado e não a “penas” acordadas em sede de Transação Penal. Portanto, o dispositivo enfocado é claramente defeso para o caso sob análise. Não bastasse essa constatação, pode-se ainda aduzir que sua aplicação violaria o próprio sistema criado pela Lei 9.099/95 que somente permite a transação de penas restritivas de direito ou multa, jamais penas de prisão. Ora, a conversão funcionaria como uma espécie de transação reflexa de pena privativa de liberdade, o que é inadmissível.

d) Finalmente vem a tese que se sustente no “non liquet”, ou seja, na sugestão da inércia diante da lacuna legal. Nesse passo o processo não poderia ser retomado por falta de previsão legal; a execução da pena, além de difícil também careceria de regulamentação legal, não se sabendo inclusive quem seria o legitimado ativo para sua promoção; por derradeiro a hipótese da conversão em prisão seria inviável porque inconstitucional, inconvencional e contrária aos próprios desígnios da Lei 9.099/95. Portanto, segundo esse entendimento, o caso de descumprimento da pena restritiva de direitos acordada fica sem solução até que o legislador a apresente formalmente.

Em meio a essas orientações, aponta para que a pena acordada de multa, em caso de não pagamento, seja devidamente executada como dívida de valor pela Fazenda Pública, nos estritos termos do artigo 51, CP. Doutra banda, quanto à pena restritiva de direitos, a autora indica a inexistência de mecanismos, seja na Lei 9.099/95, seja no Código Penal ou Processual Penal, para a sua execução de forma que nada poderia ser feito, até que o legislador regule a matéria.

Dessa maneira e não tendo carga condenatória nem impondo pena propriamente dita, mas somente homologando um acordo, formaria um “título executivo judicial”, excluindo o processo criminal e extinguindo a punibilidade do agente pela preclusão “do direito de propor ação penal”. Obviamente este autor se filia à executividade do título judicial, seja da multa, seja da pena restritiva de direitos.

Afasta, portanto, a conversão em pena privativa de liberdade e indica como único caminho a oferta da Denúncia pelo Ministério Público. Doutra forma estaria o operador do direito de mãos atadas devido ao silencio legislativo. Já com a conversão convencionada na proposta, a multa poderia ser executada nos estritos termos do artigo 51, CP.

A jurisprudência pátria também se envolveu com o tema, gerando muita controvérsia. Rumando diretamente para os Tribunais Superiores, é fato que o STJ inicialmente firmou posição no sentido de que “a sentença homologatória da transação penal possuía eficácia de coisa julgada formal e material”. Dessa forma não seria viável a ulterior proposição de processo penal acaso descumprido o acordo homologado. Ocorre que o STF reconheceu repercussão geral do tema e julgou o Recurso Extraordinário 602.072, decidindo que o não cumprimento do acordo possibilitaria o oferecimento da denúncia e seguimento dos demais atos processuais. Sob influência desse “decisum” paradigmático, o STJ, no julgamento do HC 29.435, passou a também admitir o oferecimento de denúncia e seguimento do processo quando do descumprimento ao acordo homologado.

Um posicionamento jurisprudencial definitivo sobre o assunto é assentado com o advento da Súmula Vinculante STF n. 35, redigida nos seguintes termos:

“A homologação da transação penal prevista no artigo 76 da Lei 9.099/95 não faz coisa julgada material e, descumpridas suas cláusulas, retoma-se a situação anterior, possibilitando-se ao Ministério Público a continuidade da persecução penal mediante oferecimento de denúncia ou requisição de inquérito policial”.

Não há outra conclusão a que chegar a não ser a de que predomina hoje o entendimento de que o descumprimento do acordo pelo autor do fato pode submetê-lo à Denúncia e seguimento do Processo Penal respectivo. Em termos jurisprudenciais isso acaba sendo pacificado pelos efeitos da Súmula Vinculante 35 STF.

Em sua regulamentação da Transação Penal o artigo 76, § 2º., II, da Lei 9.099/95 veda o direito à proposta a todo aquele que tiver sido beneficiado anteriormente por outra transação no prazo de cinco anos.

A solução, por uma interpretação gramatical do texto do artigo 76, § 2º., II, da Lei dos Juizados Especiais Criminais, é a de que essa transação abortada não tem força para impedir nova proposta no interregno temporal legalmente determinado. Isso porque a lei diz que o agente fica impedido quando “beneficiado” por transação anterior. Ora, a rigor, não se aperfeiçoando o acordado, a transação não chega a “beneficiar” o autor do fato de modo algum, pois que responderá normalmente ao processo tal qual alguém que nunca houvesse transacionado. Assim sendo, a princípio, nada impediria que num ulterior caso, ainda que dentro do prazo de cinco anos, seja o agente beneficiado com nova proposta.

Contudo, alguns cuidados devem ser tomados com relação a essa conclusão. Acontece que há mais dois incisos impeditivos da proposta no § 2º., do artigo 76 em estudo, sendo fato que cada um desses impedimentos é independente e não necessariamente cumulativo.

Em primeiro lugar o inciso I veda a transação para aquele que tiver sido “condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva”. Portanto, se por acaso o indivíduo vier a ser condenado a pena privativa de liberdade, por exemplo, por aquele crime pelo qual foi denunciado ao não cumprir a transação, transitando em julgado tal sentença, deixará de fazer jus ao benefício. Além desse limite objetivo, há ainda o inciso III que indica impedimentos subjetivos à concessão da transação com base nos antecedentes, conduta social e personalidade do agente, bem como levando em conta os motivos e circunstâncias da infração. Se em virtude desses fatores a transação se mostrar como uma reação insuficiente, também não poderá o autor do fato ser beneficiado. E neste ponto, o fato de haver descumprido anteriormente uma transação certamente não é um bom indicador com relação à sua personalidade e conduta social, assim como com referência à suficiência da medida.

Cabe agora abordar a questão da pena de multa transacionada e não cumprida. Sabe-se que a multa pode ser executada nos termos do artigo 51, CP. Mas, com o advento da Súmula Vinculante 35 STF, determinando o seguimento com Denúncia, isso ainda seria viável?

Podem-se vislumbrar duas posições a respeito:

a) A pena de multa seria uma exceção ao teor da Súmula Vinculante 35 STF, pois que passível de execução nos termos do artigo 51, CP.

b) A Súmula Vinculante 35 STF não faz qualquer distinção entre o acordo descumprido consistente em pena restritiva de direitos ou multa, de modo que a sanção processual para o descumprimento em todos os casos, indistintamente, deve ser a formulação da Denúncia respectiva e o seguimentos do processo.

A alternativa b acima arrolada parece ser a mais coerente com o teor da Súmula Vinculante em estudo, pois que acabou o STF colmatando uma lacuna da Lei 9.099/95 e dando uma solução geral para todos os casos de descumprimento da transação penal, qual seja, a retomada do processo com a Denúncia. Parece que doravante o artigo 51, CP deve ser limitado à execução de penas de multa impostas por sentença condenatória transitada em julgado e não para multas acordadas e não pagas oriundas de Transação Penal.

Apesar de a Lei 9.099 ter sido promulgada em 1995 e desde logo apontada a lacuna respeitante ao descumprimento da Transação Penal, fato é que o legislador, durante todos esses anos jamais se desincumbiu de sua tarefa de colmatar o vácuo deixado.

Sobre este último ponto (o “non liquet”) é sempre bom lembrar que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto – Lei 4.657/42 com nova redação dada pela Lei 12.376/2010), estabelece em seu artigo 4º. Que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Essa normativa deixa inconteste que não é dado ao Judiciário esquivar-se de sua função de aplicar o Direito ao caso concreto sob a alegação de inexistência de norma expressa.

Afinal, é de trivial conhecimento que a lei é (ao menos no sistema romano – germânico a que somos afetos) a principal fonte do Direito, mas não é a única, encontrando-se ao seu lado a analogia, os costumes, os princípios gerais do direito e também a jurisprudência e a doutrina.

E o Direito no mundo da vida lida com situações que não permitem uma suspensão do juízo ou a inércia diante do conflito submetido à jurisdição. Uma solução deve sempre ser dada mesmo nos chamados “hard cases” (“casos difíceis”) para os quais não há precedentes ou uma regulamentação exata preformatada na lei. O Direito é uma ciência prática que não admite a falta de soluções. Sempre é necessário haver uma resposta, ainda que não seja a melhor. O mundo jurídico exige respostas e não pode se contentar com o “non liquet”. Del Vecchio disserta bem sobre esse tema:

“Nenhum argumento é tão adequado para mostrar a natureza eminentemente prática do direito e sua plena e perfeita aderência à vida, como o seguinte: não há relação alguma entre os homens, não há controvérsia possível, por mais complicada e imprevista que seja, que não admita e exija uma solução jurídica certa.

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