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16 de Abril de 2024

In dubio pro societate”?

Publicado por Alm Li Diane
há 8 anos

O procedimento dos crimes dolosos contra a vida e seus conexos o chamado rito do Júri, é bipartido. A primeira parte, conhecida como “judicium accusationes”, inicia-se com o recebimento da denúncia (eventualmente de queixa-crime, se for o caso de ação penal privada subsidiária) e extingue-se com a sentença de pronúncia, a qual irá determinar se deve ou não o réu ser submetido à segunda etapa: “judicium causae”, esta a se realizar em plenário, junto ao Conselho de Sentença. O sistema será rigorosamente o mesmo imposto para a maioria dos crimes dolosos, e regular-se-á pelos artigos 394 até 405 do CPP. Assim, seja ou não o crime de competência do Júri, na maioria dos casos, o primeiro movimento será o interrogatório (há ritos em que o réu será ouvido por último escusado dizer serem estes muito mais consentâneos com os princípios constitucionais, em especial o do Contraditório), depois serão ouvidas as testemunhas, produzidas perícias e provas requeridas e, por fim, será a oportunidade para as manifestações da Acusação e da Defesa, as quais encontram fulcro nos artigos 406 (Júri) e 500 (rito ordinário dos crimes apenados com reclusão). Diante das provas coligidas e do que foi dito pelas partes, tem agora o magistrado, convenientemente instruído, de dizer o que sente (sentença). Sendo o crime de competência do juiz singular, estando ele em dúvida, deverá absolver o réu, diante da máxima “in dubio pro réu” (em dúvida, a favor do réu), corolário do Princípio do Favor rei ou “Indulgentia principis” É como soam os incisos II, IV e VI do art. 386 do CPP. Nesse diapasão, eventual condenação somente se justificaria por um juízo de certeza. Dito de outra maneira: é ônus da acusação provar o que alega na denúncia, de maneira extremada, a que não restem incertezas, já que, em Direito, como quer antigo brocardo jurídico “allegare sine probare et non allegare paria sunt”- alegar e não provar é o mesmo que não alegar .

Nos processos afetos ao Tribunal do Júri, entretanto, Doutrina e Jurisprudência apontam no sentido de que o verdadeiro julgamento deva se desenvolver no segundo período, eis que o primeiro constituir-se-ia em mero juízo de admissibilidade da acusação. Assim, as duas fontes do Direito antes referidas repetem-se na afirmação de que vigoraria, na fase da pronúncia, o princípio “in dubio pro societate” (na dúvida, em favor da sociedade).

Ser julgado por seus pares, nos crimes dolosos contra a vida e conexos (artigos 74, § 1º e 78, I do CPP), é direito e garantia fundamental. Não é por outra razão que o procedimento em tela encontra-se previsto também no artigo , XXXVIII, d da Constituição Federal. As garantias fundamentais têm, como se sabe, o escopo de proteger os cidadãos do excessivo avanço do Estado na seara das liberdades individuais. Explica-se: em sendo o caso de julgamento por juiz monocrático, na fase da sentença, restando aquele em dúvida, o que deverá fazer? Evidentemente absolver o réu, pelas razões já expendidas. Quem tem o dever de suplantar a incerteza é, como antes dito, a Acusação, não tendo esta logrado êxito, mister seja a lide resolvida em favor da Defesa. Segundo aquele entendimento muitas vezes repetido pela maioria, em se tratando de crime doloso contra a vida, a garantia de ser julgado pelos jurados impõe não possa o réu ser impronunciado, ou mesmo absolvido sumariamente, se houver dúvida. Isto é, nesta ótica, melhor seria não lhe tivesse o Legislador constituinte outorgado tal garantia, porque poderia ele naquele momento processual ser absolvido, ao invés de enviado a julgamento popular.

Nem se diga possa ter - de novo o surrado bordão – “a Doutrina e a Jurisprudência” tal entendimento em face da gravidade do crime. Figure-se o seguinte exemplo: numa vara única, três denúncias são recebidas na mesma data. Uma por lesão corporal gravíssima (reclusão de 2 a 8 anos), outra por latrocínio (reclusão de 20 a 30 anos) e a última por homicídio simples (reclusão de 6 a 20 anos). O primeiro crime tem a pena menor do que a do crime doloso contra a vida; o segundo a tem maior. Terminada a instrução, são os autos conclusos ao magistrado para sentença. Nos três casos, restam dúvidas quanto a serem os réus culpados ou inocentes. O juiz, então, diante daquele ensinamento repisado, deve absolver os acusados pelos dois primeiros crimes e enviar o último ao Júri, porque não pode absolvê-lo, em face de ter ele aquela “garantia” sobra a qual já se falou. Ora, melhor seria não tivesse então a referida franquia: poderia ser absolvido desde logo. Quer dizer, a elevação do Júri à condição de direito fundamental, impede, segundo a miopia que se multiplica, seja, de logo, na fase da pronúncia, o cidadão poupado do “strepitus fori”, como aconteceria se para o crime cometido não houvesse aquele privilégio.

Por outro lado, diz o art. 408 do CPP: “se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronuncia-lo-á, dando os motivos de seu convencimento”. Ou seja, o juiz deve estar convencido da existência de um crime, isto é, de um fato típico, antijurídico e culpável, ou, no mínimo, de um injusto típico, para quem entenda não integrar a culpabilidade a estrutura do delito. A segunda parte do tipo processual em testilha, numa visão sistemática, tendo em vista o filtro constitucional - repita-se, porque o Júri é uma garantia do indivíduo -, deve ser interpretada, no que concerne à expressão “indícios”, como sendo estes de tal monta que levariam juiz singular a condenar.

“O juiz lava a mão como Pilatos e entrega o acusado (que ele não condenaria) aos azares de um julgamento no Júri, que não deveria ocorrer, pela razão muito simples de que o Tribunal de Jurados só tem competência para julgar os crimes contra a vida quando este existe, há prova de autoria ou participação do réu e não está demonstrada nenhuma excludente ou justificativa”.

Para a pronúncia tem de ser certa a existência do crime e provável a autoria imputada ao réu. Se apenas, razoável a existência do crime, não pode haver pronúncia, e o mesmo se verifica quando tão só possível a autoria que ao denunciado é atribuída"

“Hoje já se nota ser essa uma nova tendência da doutrina e da jurisprudência, porque ‘se assim não se fizer, se diante da simples possibilidade de ser o réu o autor do crime, for ele exposto ao Júri, ter-se-á criado verdadeiro prodígio jurídico: a garantia contra condenação arbitrária transformada monstruosamente em exposição ao risco de condenação despótica".

“É comum dizer-se que a função da pronúncia é a de remeter o réu a júri. Mas rejeitamos, terminantemente, essa impostação. A função da fase de pronúncia é exatamente a contrária”.“Em outras palavras, a função do juiz togado na fase da pronúncia é a de evitar que alguém que não mereça ser condenado possa sê-lo em virtude do julgamento soberano, em decisão quiçá, de vingança pessoal ou social. Ou seja, cabe ao juiz na fase de pronúncia excluir do julgamento popular aquele que não deva sofrer a repressão penal”.

Pelas mesmas razões, não há mais se aceitar tenha validade o parágrafo único do art. 409 do CPP.

Se o Constituinte fosse o plenário do Júri um “plus”, um obstáculo a mais a ser transposto pelo Estado para obter uma condenação num crime doloso contra a vida. Antes disso, no entanto, impõe-se haja uma sentença prolatada por um juiz togado (pronúncia), que tem o objetivo de impedir seja um inocente submetido a julgamento soberano (soberania dos veredictos), cujo resultado não depende de fundamentação - os jurados decidem por íntima convicção - e cujos riscos não merece arrostar.

Não é uma questão de legislar, mas de dar interpretação sistemática aos dispositivos do CPP afetos à matéria e o art. , XXXVIII, d da Constituição Federal.

O “Talvez nas palavras de um Desembargador de Tribunal de Justiça estejam presentes, simbolicamente, os ingredientes que engendram a crise de paradigmas aqui discutida: instado pelo advogado de defesa, em sustentação oral, a aplicar princípios constitucionais, Sua Excelência afastou-os ‘com base no Código de Processo Penal”.

Para terminar: a visão que se combate é ultrapassada; não tem recepção constitucional: o Júri é uma garantia do cidadão, não da sociedade!

  • Sobre o autorShareholder AE Perita do Juízo nas Esferas:Analise e Laudo de Grafoscopia e Docu
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